terça-feira, 26 de março de 2013

A serpente representa o poder da vida

O poder da vida leva a serpente a se desfazer de sua pele, exatamente como a
lua se desfaz da própria sombra. A serpente se desfaz da pele para renascer, assim como a
lua se desfaz da sombra para renascer. São símbolos equivalentes. Às vezes a serpente é
representada como um círculo, comendo a própria cauda. É uma imagem da vida. A vida se
desfaz de uma geração após outra, para renascer. A serpente representa a energia e a
consciência imortais, engajadas na esfera do tempo, constantemente atirando fora a morte e
renascendo. Existe algo extremamente horrível na vida, quando você a encara desse modo.
Com isso, a serpente carrega em si o sentido da fascinação e do terror da vida,
simultaneamente.
Além disso, a serpente representa a função primária da vida, sobretudo comer. A vida
consiste em comer outras criaturas. Você não pensa muito a respeito quando faz uma boa
refeição, mas o que está fazendo é comer algo que há pouco estava vivo. E quando você
olha para a bela natureza e vê os passarinhos saltitando daqui para ali... eles estão comendo
coisas. Você vê as vacas pastando, elas estão comendo coisas. A serpente é um canal
alimentar que se move, isso é tudo. Ela lhe dá aquela sensação primária de espanto, da vida
em sua condição mais primitiva. Não há absolutamente o que discutir com esse animal. A
vida vive de matar e comer a si mesma, rejeitando a morte e renascendo, como a lua. Este é
um dos mistérios que aquelas formas simbólicas, paradoxais, tentam representar.
Agora, em muitas culturas é dada uma interpretação positiva à serpente. Na Índia, mesmo a
mais venenosa das serpentes, a naja, é um animal sagrado, e a mitológica Serpente Rei é
quem está ao lado do Buda. A serpente representa o poder da vida, engajado na esfera do
tempo, e o da morte, não obstante eternamente viva. O mundo não é senão a sua sombra – a
pele rejeitada.
A serpente também era reverenciada nas tradições dos índios americanos. Era concebida
como um meio muito importante de se fazer amigos. Vá aos pueblos, por exemplo, e
observe a dança da serpente, dos hopi, em que eles tomam as serpentes na boca, usam nas
para fazer amigos e depois mandam nas de volta para as colinas. Elas são mandadas de
volta para levar a mensagem humana às colinas, assim como tinham trazido a mensagem
das colinas aos homens. A interação do homem com a natureza está representada nessa
relação com a serpente. A serpente flui como a água e por isso é aquática, mas sua língua
continuamente dispara fogo. Assim você tem aí o par de opostos, reunidos na serpente.

Joseph Campbell

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