domingo, 20 de janeiro de 2013

depois da morte




Umas das perguntas que mais ouço ao informar que minha religião é o druidismo é "para vocês, o que acontece depois da morte?". Me parece que a maioria das pessoas têm uma religião somente para "melhorar a sua morte", ou para ter garantias de consolo e perdão pelos seus erros. No druidismo, não é isso que nos motiva. Nossa religião não serve para essas coisas, ao contrário, serve para "melhorar nossas vidas", para nos fazer perceber que somos responsáveis pelos nossos atos e, portanto, nosso destino. Em nossa crença não há um deus 100% bom para nos perdoar eternamente, o que pode induzir o indivíduo a errar eternamente, afinal, sempre terá o perdão. Se erramos, receberemos as conseqüências desse erro. Em nossa crença não existe um deus 100% mau para nos induzir ao mal, ao erro, e nos livrar das responsabilidades de nosso atos. Somos os responsáveis pelo que nos acontece, tanto as coisas ruins, como as coisas boas. Mesmo as bênçãos recebidas virão por merecimento, tanto quanto maldições…

Estamos sujeitos à lei da ação e reação, e esta lei opera tanto no aqui e no agora, quanto depois de nossa morte. Não somos marionetes de deuses ou espíritos. Nossos deuses são nossos ancestrais falecidos, são os espíritos da Natureza, e também são seres poderosos e puramente espirituais, e com qualquer uma dessas deidades não existe a relação de dominância ou subserviência, apenas de respeito e honra. Nossos deuses são seres com os quais podemos contar quando precisamos de proteção, ajuda e inspiração, mas se agirmos desonrosamente (conosco mesmos ou com os outros seres nossos irmãos), eles não hesitarão em nos dar as costas e deixar que soframos as conseqüências de nossos atos.

Sobre a pergunta sobre o que acontece depois da morte, bem, para os druidas, a alma é imortal e pode viver muitas vidas. Não há julgamento, recompensas ou punições como nas religiões modernas. No entanto, existe o efeito da consciência de cada um, baseada na vida com honra. O destino de todas as almas é o Outro Mundo, mas para chegar lá é preciso que se esteja na sintonia dele, na mesma vibração. Chegando lá, temos um período de desfrute, descanso, cura, ao lado de nossos ancestrais, almas amigas e nossos deuses. Depois desse período, há o renascimento.

A alma, no druidismo, não é impulsionada pela necessidade de evoluir ou de pagar pecados, é impulsionada pelo desejo. Voltar a habitar um corpo não é uma jornada de evolução espiritual, mas uma regra natural da vida, como o ciclo do Sol que vive, morre, descansa e nasce novamente. As condições (onde, quando e como se vai renascer) são determinadas por afinidades e necessidades de cada alma. Claro que isso não quer dizer que é simples morrer, ir para o Outro Mundo, ser feliz e renascer onde se bem entende. Aqui, chegamos a outra pergunta muito comum: e a justiça para aqueles que cometeram crimes, tiveram uma vida em desonra, etc? Como fica?

As almas em desequilíbrio, que viveram a vida em desonra, que praticaram ações sórdidas, terão conseqüências severas ao morrer. Não, os deuses não julgam, portanto, não condenam e não perdoam. Mas as conseqüências da vida desequilibrada virão na forma de uma imensa dificuldade em alcançar o destino das almas, o Outro Mundo, e descansar nessa terra de eternas celebrações, alegria e paz. Grosso modo, a alma pesada não consegue seguir a jornada. A alma que está leve, chegará ao destino com facilidade.

Sobre isto, existe um ponto importante de ser mencionado, para o qual me faço valer das palavras do druida Bellovesos:

"A permanência no Outro Mundo não é para sempre. É somente um descanso - e aquele que fica retido no meio do caminho não pode desfrutar dessa pausa, tendo de retornar para o mundo dos vivos com todo o peso de suas tristezas, sem jamais ter provado da hospitalidade das Deusas e dos Deuses no Outro Mundo. O peso da consciência impede que ele vá além.

A consciência de cada um é o juiz mais severo e a punição é a lembrança constante, repetida, dos males cometidos pela pessoa que não conseguiu encontrar o perdão em si mesma - como um filme odioso que você se obriga a assistir uma vez depois da outra, sem parar, até a loucura. Para conseguir avançar na viagem, é necessário estar em paz consigo mesmo, escapando da auto-obsessão.

Todos passam pela recapitulação da vida, mas alguns "travam" no meio do processo."

Estes, portanto, não terão o momento de descanso necessário e certamente terão dificuldades ainda maiores para o descando eterno.

Outro ponto a ser esclarecido é o de que, na visão do druidismo reconstrucionista, alma e mente são indissociáveis. A mente é uma parte da alma e pertence a ela como um todo. Por isso aceitamos que a pessoa possa ter memórias de alguma vida passada: o conhecimento da mente é sempre resgatável, por aqueles que sabem como fazê-lo.

Importante ressaltar que as almas humanas não são vistas como superiores às almas dos animais e plantas. São vistas apenas como almas diferentes. No druidismo não existe o especismo (preconceito entre espécies) e os animais e vegetais são vistos como nossos irmãos e jamais servos ou inferiores numa hierarquia. Para nós, druidas, não existe hierarquia entre as formas de vida, nem agora, nem depois da morte.

Por esse motivo, a alimentação do druida ou druidista deve ser feita sempre de forma consciente. Não somos todos vegetarianos, mas comemos bem menos carne que as pessoas em geral (que normalmente não passam uma refeição sem carne) e sempre lembramos de honrar os espíritos que morreram para nos alimentar, sejam animais ou vegetais - assim como agradecemos sempre as árvores e outros seres verdes que nos fornecem seus frutos ou grãos.

"A morte nada mais é do que um local onde as almas se detêm apenas o

suficiente para serem curadas com fumaças purificantes, abanadas pelas asas

brancas dos ventos sagrados, até se tornarem mais brancas do que os cisnes

das lendas, mais brancas do que as gaivotas das ondas, (...). a morte não é

esquecimento: é uma jornada pela purificação, pela cura e pela transformação. Nós encontraremos novamente os nossos entes amados. Essa é a lei da existência". (Carmina Gadellica)

“De alguma forma, toda espiritualidade envolve ensinamentos éticos, e a diferença é que enquanto a maioria das religiões não-pagãs busca uma recompensa (ou castigo) no pós-vida, indo para céu, inferno, reencarnando, transcendendo a existência, as espiritualidades pagãs buscam o sentido ético no mundo, no sentido do "colher o que planta" (na Terra e na vida, não no além-vida) e assumir a responsabilidade pela nossa existência aqui, pois nossas almas são ligadas ao mundo e a ele podemos voltar um dia.” (autor desconhecido)



Andréa Éire

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